Obra de hipermercado na Juracy Magalhães acelera gentrificação da cidade e causa protestos; Câmara afirma legalidade

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Diogo Costa

Política

11 de outubro de 2023 às 22h36

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Quem passa pela Avenida Juracy Magalhães, em Salvador, já não desfruta, desde 2018, da paisagem verde que antes ocupava o canteiro central da via, derrubada em benefício da construção de estações do BRT de Salvador. A obra, que se estende desde a região da rodoviária até a Avenida Vasco da Gama, tem dado carona para mudanças no entorno da pista, a exemplo da construção de uma unidade de supermercado da rede Hiperideal, cuja edificação tem provocado protesto de ambientalistas e moradores da região. 

Na última semana, a página Salva Verde, movimento contra a invasão de empreendimentos em áreas de proteção ambiental de Salvador, em colaboração com fotógrafo Carlos Santiago, criador da página My Phantom Toy, divulgou um vídeo nas redes sociais com imagens de uma área de mata em supressão no local onde será erguida a nova unidade do hipermercado. 

Sobrepondo a voz de Gilberto Gil, que canta "refloresta" no vídeo, as imagens dão vazão ao protesto virtual, que teve adesão de mais de quatro mil seguidores e centenas de comentários de descontentamento com a intervenção privada. 

Em entrevista ao Portal Salvador FM, o arquiteto e urbanista Tiago Brasileiro afirmou que as obras que ocorrem na via em questão e também ao seu redor têm provocado diversos prejuízos para a cidade. 

"Especificamente na Juracy [Magalhães], que foi construída na década de 1960 e 1970, aquele canteiro verde no centro das duas vias foi erguido não só como patrimônio paisagístico, mas para a manutenção do conforto ambiental, para manutenção da biodiversidade da cidade", lembrou Brasileiro, que também é engajado em causas ambientais. 

Além dos prejuízos ao verde, a concretação da área tem acelerado um processo que reflete negativamente no aspecto social da cidade. 

"Geralmente, quando acontecem grandes obras viárias, os terrenos ao redor são super valorizados, aí os proprietários não conseguem alcançar o valor do IPTU, e precisam vender ou deixar seus terrenos, acentuando o processo de gentrificação", explicou o urbanista.

Esse processo, segundo Brasileiro, é caracterizado pela mudança de uma região a partir de construções de empreendimentos que levam a migração de populações para outras áreas. 

Futuro da cidade

Seguindo o fluxo das obras, ao chegar na Câmara Municipal de Salvador, no Pelourinho, um letreiro no hall de entrada da Casa do Povo lembra aos cidadãos que "O futuro da cidade passa por aqui". 

Adentrando o Plenário Cosme de Farias, o presidente da Comissão de Planejamento Urbano e Meio Ambiente da Câmara, vereador Sidninho (Podemos), afirmou ao Portal Salvador FM que a construção do supermercado Hiperideal, que tem como proprietário o prefeito da cidade de Mata de São João, João Gualberto (PSDB), tem as licenças necessárias para execução.  

"Nenhum denúncia formal foi recebida na Casa, muito menos na Comissão. Estamos de portas abertas para poder discutir e dialogar os impactos, mas a gente só reage depois que somos provocados. Não tem porque eu estar travando e tratando de um projeto de equipamento que tem todos os alvarás, que estão regulares com a função, e não sob denúncia", pontuou o vereador. 

Alegando sensibilidade aos protestos, o parlamentar sinalizou, no entanto, que é preciso ter representatividade para que o tema seja discutido na Casa Legislativa. "Não tem como ir para o lugar lá, ficar falando sozinho, dizendo que está errado, sendo que já tem todas as licenças compreendidas", criticou o vereador. 

O vice-presidente do mesmo colegiado, vereador Alexandre Aleluia (PL), afirmou que a comissão solicitou à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur) informações técnicas sobre a liberação da construção do empreendimento no local. "Vale o oficial e, por enquanto, não vejo problema nenhum de um empreendimento privado ali, que gerará, com certeza, uma boa quantidade de empregos", defendeu o parlamentar. 

Sinal amarelo

A reportagem questionou à Sedur quais licenças foram emitidas pela pasta ao empreendimento, se os responsáveis apresentaram algum estudo de impacto à vizinhança, ou plano de recuperação ou reparação de impactos ao meio ambiente.

Em nota, a secretaria apenas respondeu que "todos os estudos necessários para a implantação do supermercado foram apresentados e analisados pelos técnicos do órgão". Disse, ainda, que "a obra é regular e atende todos os parâmetros urbanísticos do município". 

Além disso, o Portal Salvador FM questionou à Sedur se a Comissão de Planejamento Urbano e Meio Ambiente protocolou algum pedido de informação técnica à pasta, conforme sinalizado pelo vereador Alexandre Aleluia, mas não obteve nenhum retorno sobre o questionamento. 

Falta verde

Único representante do Partido Verde na Câmara Municipal, o vereador André Fraga (PV), que não integra a comissão de Planejamento Urbano e Meio Ambiente, reafirmou o seu papel de fiscalizador do Executivo e da legislação municipal.

"Se o PDDU permite aquela ocupação, eu, enquanto vereador, preciso fiscalizar o Executivo para saber se está seguindo os trâmites que estão lá", disse, advertindo não ter detalhes sobre a discussão do projeto do hipermercado na Câmara. 

O parlamentar, no entanto, emitiu o seu posicionamento, segundo ele, como militante da sigla, a respeito dos desmatamentos. "Acho que a cidade precisa, de alguma forma, estruturar melhor a proteção a áreas verdes. Quando fui secretário, conseguimos implementar muitas áreas verdes, novos parques, plantamos muitas árvores. Mas, na prática, a gente precisa ampliar muito mais isso. Quanto mais áreas verdes, estamos vendo essas ondas de calor, e área verde é fundamental para que a gente enfrente ondas de calor que, no final das contas, atinge a nossa saúde. Então, a cidade pode avançar, evoluir ainda mais, na proteção das áreas verdes", defendeu o representante eleito.

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